24 de outubro de 2007

Sorrisos

Foi um oi por impulso. Se não estivesse passando tão distraidamente ela não teria coragem de pronunciar aquele oi alto, longo e chamativo. E não teria dado um sorriso que pareceu a ela tão revelador. Começou nela uma certa agitação interna que a fez rir de si mesma. Ele ficou surpreso. E nervoso. Sorriu. Todos os seus órgãos pareceram mudar de posição naquele momento. E ele não conseguiu dizer nada. Disse 'oi'.

Ela estava agora lembrando do livro que estava lendo quando o conheceu. Expressões como 'tudo bem', 'fazendo o que da vida' deixavam aquela conversa terrivelmente silenciosa. Era um romance dos mais apaixonantes. Precisava relê-lo. Ele se lembrou, de repente, de uma música que tocava na rádio no tempo em que a conheceu. Ele aprendeu a tocá-la, no teclado. Na época parecia difícil, mas era um esforço que fazia por prazer. Sabia que ela gostava da música.

Como estavam mudados! O modo de se vestir, o de falar, o de caminhar. Não mudaram os sorrisos. No entanto aquela sensação de inquietude quando se encontravam não mudou. Ele ficou desconcertado por lembrar das vezes que recusara a partida de futebol com os amigos pra passar, casualmente, em frente à casa dela, na esperança de ele não sabia o quê! Apenas passava em frente com um anseio terrível com alguma ação. Ela se lembrou das vezes que suas amigas perguntaram de quem ela estava gostando. E quando perguntaram o que achava dele. Dizer qualquer coisa a respeito dele seria inútil, nunca tinham se falado direito. Claro que, agora, todos esses pensamentos de adolescente não existiam mais.

Eles nunca tinham sido amigos, no entanto ela o parou na rua como se tivessem sido os melhores. Eles nunca tinham sido amigos, no entanto ele se lembrou dela desde o primeiro instante.

Eles se despediram. Não trocaram telefone nem msn. Mas deram-se um beijo no rosto, e com ele trocaram toda a ternura que nunca nenhum mostrou no passado. Foram andando em direções opostas. Nunca sorriram sorrisos tão satisfeitos como aqueles.

9 de outubro de 2007

Olhos empedrados

As pedras eram do tamanho de grãos de arroz. Não lhe causavam dor alguma. Eram como gotas de eletricidade lhe atingindo as costas e a cabeça. Se fosse algo previamente combinado poderia até ser relaxante. Mas naquele atirar de pedras, o que o incomodava era a superioridade imposta pelo irmão. Já estava até acostumado. Andando com o sol diretamente sobre suas cabeças, revezavam o carrinho pesado de lixo e a busca por papelão, plástico e metal. Era quase meio-dia, a hora em que ele começava a ver as outras crianças indo da escola de volta pra casa.

Vamos logo!

Em frente a um terreno abandonado, minutos depois, encontraram, ao lado de um poste, uma sacola azul, grande, amarrada com um pedaço de fita amarela suja. Automaticamente, o pequeno abriu pra olhar o que havia dentro e, fazendo uma careta, chamou o irmão.

Corre aqui!

Havia dentro da sacola um cachorro, enorme, de pelo fechado, bem amarelo, os olhos vidrados bem pretos, como duas jabuticabas empedradas. Algo cinza escorria dos olhos, o focinho estava sujo de terra e extremamente seco. As orelhas estranhamente intactas e belas. Devia ter sido um cachorro muito bonito. Rasgando um pouco mais a sacola descobriram o restante do corpo do animal, um pouco de sangue e muitos mosquitos.

Os irmãos não precisaram se olhar pra começar o procedimento posterior. O mais velho terminou de tirar o corpo do bicho da sacola, enquanto o menor pegava alguma coisa no carrinho pra começar a cavar. Começaram, então, o funeral.

Os espíritos dos meninos estavam mais para carreata que para procissão. Começaram a jogar terra sobre o cachorro como se fosse tão divertido quanto destruir um formigueiro. Será que ele já teve família? Algumas pessoas passavam e olhavam o enterro tendo prosseguimento. O apito de uma fábrica soou como um réquiem. Na falta de velas os dois garotos olharam para o sol. Mentalmente se entenderam e já podiam abandonar o monte de terra que haviam construído ali. Será que ele teve dono? Ou foi cão de rua? Os olhos do irmão mais velho agora estavam duros, quase como os do cachorro.

O mais velho tomou o carrinho de lixo e foi andando. O mais novo permaneceu alguns momentos mais. Olhos tristes e sonolentos. Crianças voltavam da escola, andando, correndo, ocupadas ou distraídas, uniformizadas, e sem olhos, e nem notavam o estranho monte de terra, ao lado do poste, ao lado do menino, ao lado de ninguém.

No alto daquele poste havia uma casa pequena de joão-de-barro. O menino catou do chãos algumas pedras e começou a atirá-las para o alto, na direção do monte de barro.