29 de dezembro de 2007
Presépio Vivo
8 de dezembro de 2007
Catorze
Moravam numa casa amarela, numa rua que descia desde o centro da minúscula cidade até um rio no seu limite. Dava para ver de lá a estrada, única entrada e saída do lugar. A casa não era pequena. Acabou ficando apertada com cinco crianças. No entanto, alguém sair e desapertar deixaria um vazio compreensível.
Os cinco se alternavam em sexo e idade. O rapaz mais velho, a menina que acabara de entrar numa fase mais madura de sua adolescência. outro menino nos seus doze anos, uma sardenta aos dez e o caçula que completava, naquele dia, sete anos.
Ok, primeiro o café da manhã, depois a surpresa, a mãe.
Seu presente está lá fora, o mais velho cochichando.
No fundo ela sabia que não haveria café da manhã àquela hora para o seu pequeno sonhador naquele dia. Talvez uma hora mais tarde, quando ele viesse pedir pra ir mais longe.
Correu, abriu a porta dos fundos e soltou um 'UAU'. Todos, claro, se aglomeraram na porta para ver de que se tratava. A surpresa foi para a mãe do menino. Quando ela se aproximou da porta viu que a bicicleta nova que devia ser o motivo de toda a efusão estava despercebida, no canto onde a deixara. O entusiasmo do menino devia-se a um animal que estava olhando atônito seu pequeno observador na área da casa.
Obrigado, mãe!!
Um carneiro. A metade mais jovem dali não se preocupou em imaginar se aquilo era comum. Ao invés disso, escolheram um nome.
Vou chamá-lo de Catorze.
O carneiro Catorze nunca viu seus antecessores, porque estes não existiram. O nome era apenas rendimento da estranheza do aniversariante.
A mãe tratou de abrir inquérito para resolver o mal entendido e mas não havia sido nenhum dos irmãos o autor daquela 'brincadeira'.
Se não foi você, alguém me deu. Agora o Catorze é meu.
Catorze e o menino fizeram uma bela amizade. No entanto os pais estavam irredutíveis. Ter um carneiro era muita responsabilidade para o menino. E antes que argumentação dos irmãos começasse - todos se propuseram a ajudar a cuidar do mascote - o dono apareceu.
Foi com lágrimas que se despediu do bicho, e talvez com uma promessa em segredo. O menino estava inconsolável, mas essas coisas de criança passam. E enquanto a família retratava o incomum incidente da data, algum observador pensava como podia trazer tanta alegria ter um carneiro por um dia.
2 de dezembro de 2007
Muito longe
Algumas coisas deixavam Edilson Adilson revoltado, outras o deixava com medo, e triste, claro. Essa mistura de revolta, medo, apreensão, tristeza e desapontamento com as pessoas era uma tormenta que o fazia estar sempre com o humor diferente. Mas não era sua culpa, sentia aquelas coisas e não podia evitar sentir.
Um dos entraves mundiais que não saíam da cabeça de Edilson Adilson era a fome, claro. Quando pensava na fome o que ele fazia era chorar. Aquela imagem que vinha-lhe na mente machucava. Pensar em pessoas sofrendo por conta do egoísmo do mundo. Huh, se ele tivese algum poder pra mudar isso! - ...mas não tinha. Era só um funcionário do governo com influência abrangindo uma sala de cem metros quadrados de extensão. A África tem trinta milhões de quilômetros quadrados. Estava fora do seu alcance.
E Edilson Adilson só podia sofrer com isso. Tentava se informar o máximo possível. Documentários, reportagens, filmes, tudo o que denunciasse esses problemas mundiais ele procurava ver e divulgar, pra que seus amigos pudessem também estar cientes do que acontece fora de seus universos pessoais. Pena que Edilson Adilson não pudesse, ele próprio, ajudar.
Todos os dias, a caminho de casa ou do trabalho, Edilson Adilson ia pensando nisso, e remoía-se, e levava como dava, conhecendo o sofrimento mas sem poder desfazê-lo. E tudo o que pudesse fazer, com as suas condições, mesmo que alcançasse de alguma forma o sofrimento do outro lado do mundo, seria apenas paliativo, e essa impotência o machucava ainda mais.
Na rota casa-trabalho Edilson Adilson passava por ruas cheias de lojas, cheias de anúncios, e cheias de gente. Mas não prestava atenção nestas coisas porque isso o irritava. A futilidade dessas coisas o irritava e ele preferia seguir pelo caminho pensando em todas as coisas que o afligiam. E ele não via que no meio daquela gente havia também gente no chão, em cobertores rasgados e sujos. Gente numa situação não muito diferente da gente com que ele se preocupava. Toda aquela gente bem ali no seu caminho.