13 de novembro de 2007

A última vez

Qual o grau de parentesco que tinham? Eram pai e filho. Não há ninguém mais próximo nesse tipo de grau.

Qual o grau de proximidade que tinham? Não eram pai e filho. Não nesse tipo de grau.

Quantas vezes se falavam por ano? Uma, duas talvez. Que tipo de conversas tinham? Não se podia classificar o que tinham como conversa. Talvez um parabéns no aniversário, um oi que saudade quando se reviam. Uma brincadeira com uma voz esganiçada, a voz de quem disfarça uma relação destruída. Havia, sim, saudade. Mas saudade do quê? Não era a saudade usual. Era esperança de que pudesse ser diferente. A saudade do que ainda não aconteceu. Em todas as vezes havia essa esperança. Contavam uma lembrança, riam, e um fio raro de alegria não dissimulada passava por seus corações. E sentiam isso. E se assustavam com essa abrupta liberdade e recuavam.

Essa falta de proximidade intelectual não era devido à falta de proximidade física. Era mesmo porque não se davam.

O dia dos pais era o mais vazio. Não se viam, claro. E ninguém ousava tocar no assunto, com quem fosse. Cada um no seu canto, pensando ou não no dia em que estavam.

Preencher formulários já não era problema. Era só um nome, escrevia o nome do pai e pronto. Conversar com os amigos não era problema. Quando perguntavam ele dava as últimas notícias que teve do filho, através um qualquer, e logo se calava.

Era tudo controlado, afinal estavam nesse estado há bastante tempo. Não enxergavam frieza nisso, só cuidado.

Na última vez pôs suas mãos sobre as dele e sentiu seus calos. E sentiu sua maciez. Não sentiu por quem seriam aqueles calos. Ele também não sentia por quem eram seus próprios calos. Nem percebia que precisava sentir isso. Nenhum dos dois, na verdade,percebia o quanto aquela proximidade significaria e o que não significava mais há muito tempo. E nesta última vez o mesmo sentimento permaneceu. A esperança que parecia saudade. E a sensação de que aquela talvez não fosse a última vez e que pudessem ter esperança de novo. Esperança de que realmente pudessem se reencontrar, um dia.

Eles se reencontraram, sim. Mas a esperança morreu. Morreu no pai e no filho. E também morreu nos olhos das pessoas que os olhos de cada um dos dois via. Talvez fosse melhor sentir o pesar do medo e da culpa do que a esperança. O que viam os olhos dos outros era a deficiência física que os dois carregariam dali adiante e para a qual não havia esperança de cura. Continuaram vivendo sem sentir a deficiência.

5 de novembro de 2007

A primeira vez

A primeira vez era sempre única. Era mágica, com a novidade e a apreensão de toda primeira vez. Não que nunca, numa outra vez, fosse bom, mas a primeira era diferente.

No primeiro beijo havia uma sensação de incredulidade, de descoberta e de uma tão bela inocência. Depois não deixava de ser bom, mas não era como na primeira. Havia o controle do algo já conhecido.

A primeira vez no palco, discursando para um público: o medo, o nervosismo e a ansiedade de antes, satisfação e alívio depois. Com as próximas vezes viria a segurança e uma cobrança maior.

Todas as primeiras vezes tinham sensações singulares, pelo esperado e pelo inesperado e pela preocupação infantil de toda primeira vez.

Certa vez houve a primeira vez que esteve com alguém. Sequer se falaram, mas misteriosamente houve a sensação de primeira vez. E, pela primeira vez, as outras vezes foram tão especiais quanto a primeira. E aquela impressão de primeira vez repetida era tão boa, que se apaixonou.