8 de abril de 2008

Fissão

A primeira coisa que reparei foi a boca. Sempre achei bocas mais expressivas que olhos. Reparava no seu formato, e nos formatos que assumia. E como ela se mexia. Com o sorriso, a mastigação, a dicção, e até os movimentos supostamente sem propósito. E o queixo, que é meu particular fascínio. Depois, os olhos. A cor, que tantos outros têm igual, era única. A vivacidade e a jovialidade, ou a preguiça e a ressaca expressa neles. Os cílios, as sobrancelhas e suas texturas. Podem rir de mim, mas até o branco dos seus olhos eram especiais.

Quando tudo começa a ficar tão perfeito assim a sensatez já se foi.

Acabei com o rosto. As máscaras. As bochechas, as orelhas, o nariz, o cabelo, a nuca, e todas as combinações expressivas. E as aparências. E as fotografias. A voz, o vocabulário. E as opiniões. Daí as mãos. Braço e antebraço. E explicações. Os dedos, as unhas, as linhas, as articulações. Os movimentos, os rápidos e os lentos. E tudo que tocava. As depreciações e as apreciações. As palmas e os estalos. As aprovações, as posições. E então o andar. E as disposições. E as pernas, o dobrar dos joelhos, os ombros, a cintura, o bumbum e tudo o mais que há de bom. E os gostos, e as tensões. E as intenções. E o vestir. E as ações e as preparações.

E o existir.

Estranho quando se toma liberdade de fazer planos pra outra pessoa. Há quem diga que o amor é egoísta, e que não enxerga deformidades, e mil teorias mais.

Às vezes me pergunto se um diagnóstico precoce evitaria alguma coisa. Ou se alguma coisa só se evita quando realmente não há tanto potencial. Mas pra quê sensatez?

Eu acho que o amor é cego, sim. Aliás, acho que o amor deve ser cego.

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